terça-feira, 3 de junho de 2014

A farsa da falsa mudança.

O medo da mudança é grande, particularmente nos partidos instalados confortavelmente no salão, até agora restrito, da confabulação politica.

As eleições assustaram muito os partidos do chamado centrão, cada vez mais pequeno e, por isso mesmo, fazendo soar algumas campainhas de alerta nos ouvidos tísicos do poder instalado, assim que sentiram no ar a possibilidade de algo poder estar verdadeiramente a mudar e negativamente afeta-los, rapidamente passaram à congeminação duma saída que lhes fosse inquestionavelmente favorável.
 
Com o diminuir da percentagem eleitora, real e prevista, dos partidos que sempre dominaram a governação em Portugal, para além do aumento de várias forças politicas menos submissas, a que se acrescentou a onda que varreu a europa e comprovou que desta vez talvez não haja retrocesso, surgiram de imediato propostas que têm o objetivo de alterar o equilíbrio do sistema eleitoral, puramente proporcional, e, consequentemente, transforma-lo de forma a promover artificialmente o nascimento de maiorias absolutas.

Esse é um interesse comum a quem se viu ameaçado no status quo politico partidário, PSD/CDS/PS e que, rapidamente, começou a instigar e promover tal mudança.

Logo após o fim de semana eleitora para as europeias vimos, ouvimos e não podemos ignorar, essa eminência parda da direita governativa, que do alto da sua artificial estatura politica e académica, Relvas de seu nome e "o aldrabão" de cognome, veio afirmar a necessidade de alterar o sistema eleitoral, ressuscitando propostas que levariam ao desrespeito da proporcionalidade e matando ou ferindo irremediavelmente os partidos mais pequenos, incluindo, naturalmente o seu parceiro de coligação, amarrado assim e durante muitos anos á coligação atual e que o levará também e inevitavelmente a definhar e finalmente esfumar-se do espetro politico nacional.

Mas também dias depois e não por acaso, mas aproveitando de forma oportunista a necessidade de sobreviver partidariamente, Seguro, essa insegurança politica que ainda governa o PS, tirou da sua coçada cartola esse coelho requentado e estafado sobre a necessidade de alterar o sistema eleitoral, temperado com a demagógica e populista ideia de que se deverá baixar drasticamente o número de deputados para poderem passarem a ser eticamente irrepreensíveis e, coincidentemente com o PSD ambos ameaçados de, drasticamente, verem fugir-lhes a ilusão absolutamente maioritária do poder, propôs o mesmo que o companheiro Relvas. Bonito e revelador.

Essas personagens e os seus partidos, interpretando, é verdade, os receios dos seus militantes e amigos do peito em perderem o poder e as suas obvias vantagens, pensando ainda ser reversível o estado de espirito dos eleitores e continuarem a crer que lhes é possível voltarem a ter gloriosas maiorias absolutas, colocaram na agenda mediática essa salvadora proposta, que, sorrateiramente, vão tentar aprovar, como se as suas intenções fossem desprovidas de interesse próprio e não correspondesse, como é bom de ver, à última possibilidade que têm de, estrategicamente, inverterem o seu declínio eleitoral e social.

É, evidentemente, um interesse comum a PSD e PS e uma ideia que nos próximos tempos veremos alguns dos arautos do status quo atual e fervorosos adeptos do centrão, aproveitar para teorizar e defender como única forma de regenerar um sistema que eles próprios vêm construindo e dominado sempre na defesa dos seus interesses próprios.

Outros, quais virgens envergonhadas com os seus desejos reprimidos pela necessidade de cultivarem uma áurea de compostura e desvelo democrático, calar-se-ão ou, redondamente discorrendo, deixarão correr o marfim na expetativa de colherem os benefícios da sua abstenção politicamente discreta.

Esperemos, então, que os cidadãos eleitores não se deixem enganar com falsas promessas de virtudes ilusórias, pois os mesmos que lhes oferecem essa promessa, serão aqueles que os deixarão órfãos de controlo politico plural, num futuro e monocromático Parlamento submerso nos tons escuros da sua, mais que provável, frustração.

Lisboa, 3/06/2014