Empobrecimento
sem causa
Estamos mais pobres, mais ainda não o suficiente.
Pelo menos não o suficiente para alguns que nos querem ver
pobres o suficiente para poderem dizer que haveremos de renascer das cinzas e
então, sim, seremos pobres mas felizes, comportados, obedientes e agradecidos.
Nessa altura seremos vistos como alguns gostam de ver as suas
“criadas”, coitaditas, simples mas muito trabalhadeiras e acima de tudo
discretas.
O melhor Povo do mundo, como um dos arautos do empobrecimento
inevitável dos portugueses cinicamente apelidou os destinatários das suas
brilhantes experiências económicas, já demonstrou que não sendo o melhor do
mundo, como nenhum povo o é, é pelo menos um povo que, demorando a encher-se de
razões, quando é necessário também sabe manifestar a sua revolta e sentimentos.
Foi assim durante muitas vezes ao longo da sua história, que
sendo longa enquanto nação, alguns teimam em ignorar ou pelo menos
desvalorizar.
E se nesta altura o empobrecimento do país é querido e
resulta de uma ameaça e interesses externos ela é também fruto das
cumplicidades e de vontades internas cujas principais, mas não exclusivas
figuras, são atuais responsáveis governativos, que, dizendo-se eles próprios
bons alunos, mais não esperam do que ser assistentes futuros dos seus mestres
de hoje.
Mas a história que tem a curiosidade de se repetir, parecendo
querer confirmar a razão atual do passado historiado, indica-nos que havendo
esperança para o país, ela radica hoje, como antes, na vontade dos que aguentando
muito, acabam por, mais cedo ou mais tarde, tomar nas suas mãos o destino das
coisas.
Soubemos fazê-lo por várias vezes ao logo da nossa História,
como em 1383/1385 durante a primeira revolução popular da nossa história contra
a grande nobreza e simultaneamente contra a intervenção estrangeira em Portugal,
na altura personalizada pelo rei de Espanha que era casado com uma das
pretendentes a trono de Portugal e em que foi decisiva a intervenção decidida e
fundamental do povo miúdo de Lisboa que levou ao início da brilhante segunda
dinastia.
Como também o soubemos fazer em 1640, uma vez mais e pelo
impulso do povo, levando a que a intervenção estrangeira pudesse ser erradicada
e os destinos que os Migueis de Vasconcelos queriam que fossem, para sempre,
comandados por sotaque além-fronteiras, pudessem, novamente, ser, plenamente,
assumidos pelos do burgo.
E mais tarde, já no sec. XIX, e apesar dos aliciantes ventos
da revolução francesa e dos seus nobres e ainda hoje atuais princípios
universais, fomos capazes, perante a necessidade de defender a independência
nacional, por na linha, ou para além dela, uma outra ameaça externa.
Fado o nosso que, apesar de sermos pequenos em dimensão,
pobres em recursos e atrasados em desenvolvimento, não deixamos de ser,
constantemente, cobiçados, talvez pela curiosidade que despertamos pelas bem sucedidas
aventuranças que desde sempre conseguimos conquistar e com elas as riquezas que,
por elas, fomos amealhando.
Ora, hoje, diferentemente na forma, a verdade é que tendo
sido aliciados para fazermos parte de uma europa económica e à qual queríamos
pertencer, foi-nos destinado um papel de meros prestadores de serviços e
simultaneamente de gulosos consumidores das exportações europeias que assim
encontravam mais um punhado de ávidos europeístas que viam a sua condição de
vida melhorar e por isso e compreensivelmente não questionaram a armadilha que
nos armaram.
Esse paradigma económico em que deixamos, propositadamente,
de produzir, para passar a consumir e a nossa economia passou a ser a de meros
prestadores de alguns serviços, foi arquitetada pelos países que produziam e
exportavam, como a Alemanha, a França e outros excedentários de produtos
agrícolas e industriais e, mansamente acolhida e posta em prática pelos
partidos do centrão que, viram, aí, a possibilidade de, estando no chamado arco
governamental, poderem distribuir benesses e favores em troca de votos e apoios
políticos.
Mas convém não esquecer, até pelo longo período do seu consulado,
10 anos, aquele que foi o principal artífice e responsável por toda essa
politica e que contribuiu decisivamente, para, entre outras vergonhas, a inqualificável
utilização dos chamados, à época, fundos sociais europeus que deram origem à
existência no Vale do Ave a maior concentração de Ferraris do Mundo enquanto as
falências e consequente no sector têxtil eram aos milhares, ou à construção
desmesurada de autoestradas para distribuir mercadorias e pescas que não
fabricávamos, por termos desmantelado esses sectores com incentivos
comunitários, ou à inesquecível proliferação de duvidosas, para não dizer
manhosas, universidades privadas sem corpo docente capaz, tudo decisões
desastrosas para o país e cujo primeiro responsável, repete-se,foi o agora
Presidente da República, Anibal Cavaco Silva, de cognome o cínico.
Foi na verdade o apreciador de Bolo-Rei à boca aberta que
implantou, nessa época, o paradigma económico que Portugal e que
ainda agora nos rege.
E hoje, com olímpico desplante, actua como se nada tivesse
que ver com a situação económica do país, em que deixámos de ter uma economia
produtiva e nos tornamos numa mera economia de serviços, alimentada por fundos
europeus enviados como compensação da politica económica arquitetada em conluio
com o diretório europeu e instigador de gastos numa overdose de infraestruturas,
muitas vezes desnecessárias e que, quando país necessita, como hoje, de parar
de gastar com as importações de quase tudo o que consumimos, não o consegue fazer,
porque, exata e propositadamente, não produzimos o que necessitamos
Mas curiosamente, ou talvez não, então, e até que a crise
económica mundial estalou, vivia-se um proclamado amor entre os povos europeus e
em que a solidariedade era coisa de realce. Afinal durou pouco.
Bastou que um vento mais forte em forma de crise mundial abanasse
a estrutura económica e social da europa e, rapidamente, os povos “trabalhadores”
do norte insurgiram-se contra os “preguiçosos” povos do sul, que, na realidade,
lhes vinham alimentando a economia e as exportações comprando os seus produtos
a troco de, para o poderem fazer, lhes aceitaram dinheiro emprestado e que
foram, também, a causa do défice que eles agora invectivam.
Qual verniz que estala aos primeiros calores dos raios de sol
de verão.
A solidariedade acabou e cada um que se safe.
O interesse que todos tinham em que os povos integrados do
sul como, mais tarde os de leste, alargassem o mercado aberto e interno para
que se pudesse escoar os produtos dos países ricos e produtores de bens
industriais e agrícolas, foi esquecido e começou-se a cobrar de forma lucrativa,
aliás, o pagamento da ajuda necessária.
Nem que isso provocasse, como está a provocar, um
empobrecimento acelerado e destrutivo das pessoas e do país, cada vez mais
enleado no pagamento apressado da dívida e dos seus juros agiotas.
E lá voltamos à questão inicial.
Será preciso, impõem-nos, empobrecer o país e as pessoas para
resolver um problema de sobre-endividamento, fomentado, aliás, por aqueles que
nos podem ajudar e com essa “ajuda” vão lucrando, e muito.
Mas verdade seja dita, impõem-nos pela convicção furiosa de
alguns, que, malfadadamente, nos governam, nessa receita, que por isso mesmo,
tem sido servida em dose forte e reforçada, na ansia de que, podendo fugir-lhes
o tempo, o mal não fique pelo começo.
Mas há algum motivo para que não se encontre uma solução que
não passe por empobrecer Portugal.
Claro que não, dizem muitos, esclarecidos e competentes.
Há outro caminho, até porque há sempre outros caminhos.
Há é uma fé ideológica das aves raras que nos desgovernam, em
que é necessário destruir o paradigma social existente e adequado a um país da
europa desenvolvida e com que eles, na verdade, não simpatizam e então,
purificando-nos através do empobrecimento, quais discípulos de Pol Pot no
Camboja dos anos 70, seremos mais honrados, mas também e daí o interesse
estratégico, mais submissos e, obvia e consequentemente, mais baratos e
manipuláveis.
E assim duma cajadada matam-se vários coelhos, ou, no caso,
mata-nos o Coelho, obedecendo aos interesses da Alemanha que não quer acabar
com o euro, mas também não quer suportar os custos dessa sua grande vantagem
que é a existência de um mercado livre para exportar os seus produtos, empobrece-se
as pessoas e consequentemente o país, tornando, através de uma alta taxa de
desemprego, a mão de obra mais barata, mas também mais submissa, destruindo-se
simultaneamente a estrutura básica para a existência de um estado social, que,
para sobreviver, naturalmente carece de despesa, no caso útil e
justificada.
Mas ainda que a dívida que se quer combater, mas que na
verdade nunca conseguiremos reduzir através de politicas contracionistas e
recessivas, seja demasiado alta e até condicionadora dum desenvolvimento
sustentado, a verdade é que não pode ser pretexto para punir um povo que não
contribuiu diretamente para ela.
Na verdade, sendo natural que todas as pessoas queiram
melhorar a sua condição de vida, o caminho proposto e trilhado nos últimos anos,
foi-o em consequência das orientações dos diversos decisores políticos
nacionais – o centrão - mas também pelas orientações e politicas europeias que
ratificaram os investimentos nacionais que, suportados pelo aumento da dívida
dom país, permitiram o enriquecimento de alguns sem que houvesse uma
necessária, justa e reclamada diminuição das desigualdades sociais e económicas
das pessoas e do país.
E se é verdade que a população sufragou as politicas e os
políticos que nos governaram nos últimos quase 40 anos em democracia, não foi o
povo que sempre pagou impostos e nunca teve idade de reforma aos 50 anos, nem
trabalhou, em regra, menos de oito e mais horas diárias, como acontecia em
vários dos países europeus, que agora deverá ser punido com uma austeridade
brutal e assassina que põe em causa um nível de vida razoável para um país
europeu, mas que também arrasa a economia e condena ao desaparecimento, sem
alternativa como já está a verificar-se, muitas pequenas e médias empresas que
constituem quase 100% do tecido empresarial português, atrasando o seu desenvolvimento. Citando alguém, "é a economia estúpido".
Evidente se torna, pelo nefastos e irreversíveis efeitos que
cria às pessoas e à economia, e aliás já visíveis, mas também porque não se
vislumbra motivo que possa ser directamente e em exclusivo atribuído aos
desmandos dessas pessoas, o citado melhor povo do mundo, que a receita imposta
e já testada noutros países com resultados tristemente conhecidos como
devastadores, também para as pessoas e para economia, empobrecendo-as, e que os
paus mandados nacionais aceitaram e conjuntamente subscreveram com os enviados
troicanos, não tem razão de ser e devemos, por isso, quanto antes
interrompê-la.
É que, havendo uma causa directa para o empobrecimento – as
intensas políticas restritivas e recessivas, não há causa ou razão profunda
enquanto motivo justo, compreensível e aceite pelas pessoas, para que tal
aconteça.
Tanto mais que a mentirosa virtude que ela comportava – a
diminuição do deficit – foi impiedosamente desmentida pela realidade, por
muitos, aliás advertida.
E por isso, mas também porque existe alternativa a esse
caminho miserabilista, tal como no Direito o enriquecimento sem causa é
juridicamente inadmissível, também em Portugal, nestes tempos recentes, o
empobrecimento, por ser sem causa, deve ser politicamente recusado, por
inadmissível.
E se esse
empobrecimento imposto é ilícito, porque imoral, não aceite como princípio e
cada vez mais contestado, deverão as pessoas, o tal “melhor povo do mundo”,
relembra-se, mais uma vez e como outrora na nossa história, levantar-se do chão e rejeitar,
claramente, um caminho para o fundo dum buraco negro para onde nos querem
empurrar, uma vez mais por imposição do exterior, mas com a cumplicidade e até o
entusiasmo transbordante dos atuais Migueis de Vasconcelos ou Condes de Andeiro
da nossa praça.
Para bem de todos e de cada um de nós.
Citizen Red, Lisboa, 15/10/2012