segunda-feira, 15 de outubro de 2012


Empobrecimento sem causa


Estamos mais pobres, mais ainda não o suficiente.

Pelo menos não o suficiente para alguns que nos querem ver pobres o suficiente para poderem dizer que haveremos de renascer das cinzas e então, sim, seremos pobres mas felizes, comportados, obedientes e agradecidos.

Nessa altura seremos vistos como alguns gostam de ver as suas “criadas”, coitaditas, simples mas muito trabalhadeiras e acima de tudo discretas.

O melhor Povo do mundo, como um dos arautos do empobrecimento inevitável dos portugueses cinicamente apelidou os destinatários das suas brilhantes experiências económicas, já demonstrou que não sendo o melhor do mundo, como nenhum povo o é, é pelo menos um povo que, demorando a encher-se de razões, quando é necessário também sabe manifestar a sua revolta e sentimentos.

Foi assim durante muitas vezes ao longo da sua história, que sendo longa enquanto nação, alguns teimam em ignorar ou pelo menos desvalorizar.

E se nesta altura o empobrecimento do país é querido e resulta de uma ameaça e interesses externos ela é também fruto das cumplicidades e de vontades internas cujas principais, mas não exclusivas figuras, são atuais responsáveis governativos, que, dizendo-se eles próprios bons alunos, mais não esperam do que ser assistentes futuros dos seus mestres de hoje.

Mas a história que tem a curiosidade de se repetir, parecendo querer confirmar a razão atual do passado historiado, indica-nos que havendo esperança para o país, ela radica hoje, como antes, na vontade dos que aguentando muito, acabam por, mais cedo ou mais tarde, tomar nas suas mãos o destino das coisas.   

Soubemos fazê-lo por várias vezes ao logo da nossa História, como em 1383/1385 durante a primeira revolução popular da nossa história contra a grande nobreza e simultaneamente contra a intervenção estrangeira em Portugal, na altura personalizada pelo rei de Espanha que era casado com uma das pretendentes a trono de Portugal e em que foi decisiva a intervenção decidida e fundamental do povo miúdo de Lisboa que levou ao início da brilhante segunda dinastia.

Como também o soubemos fazer em 1640, uma vez mais e pelo impulso do povo, levando a que a intervenção estrangeira pudesse ser erradicada e os destinos que os Migueis de Vasconcelos queriam que fossem, para sempre, comandados por sotaque além-fronteiras, pudessem, novamente, ser, plenamente, assumidos pelos do burgo.

E mais tarde, já no sec. XIX, e apesar dos aliciantes ventos da revolução francesa e dos seus nobres e ainda hoje atuais princípios universais, fomos capazes, perante a necessidade de defender a independência nacional, por na linha, ou para além dela, uma outra ameaça externa.

Fado o nosso que, apesar de sermos pequenos em dimensão, pobres em recursos e atrasados em desenvolvimento, não deixamos de ser, constantemente, cobiçados, talvez pela curiosidade que despertamos pelas bem sucedidas aventuranças que desde sempre conseguimos conquistar e com elas as riquezas que, por elas, fomos amealhando.

Ora, hoje, diferentemente na forma, a verdade é que tendo sido aliciados para fazermos parte de uma europa económica e à qual queríamos pertencer, foi-nos destinado um papel de meros prestadores de serviços e simultaneamente de gulosos consumidores das exportações europeias que assim encontravam mais um punhado de ávidos europeístas que viam a sua condição de vida melhorar e por isso e compreensivelmente não questionaram a armadilha que nos armaram.

Esse paradigma económico em que deixamos, propositadamente, de produzir, para passar a consumir e a nossa economia passou a ser a de meros prestadores de alguns serviços, foi arquitetada pelos países que produziam e exportavam, como a Alemanha, a França e outros excedentários de produtos agrícolas e industriais e, mansamente acolhida e posta em prática pelos partidos do centrão que, viram, aí, a possibilidade de, estando no chamado arco governamental, poderem distribuir benesses e favores em troca de votos e apoios políticos.

Mas convém não esquecer, até pelo longo período do seu consulado, 10 anos, aquele que foi o principal artífice e responsável por toda essa politica e que contribuiu decisivamente, para, entre outras vergonhas, a inqualificável utilização dos chamados, à época, fundos sociais europeus que deram origem à existência no Vale do Ave a maior concentração de Ferraris do Mundo enquanto as falências e consequente no sector têxtil eram aos milhares, ou à construção desmesurada de autoestradas para distribuir mercadorias e pescas que não fabricávamos, por termos desmantelado esses sectores com incentivos comunitários, ou à inesquecível proliferação de duvidosas, para não dizer manhosas, universidades privadas sem corpo docente capaz, tudo decisões desastrosas para o país e cujo primeiro responsável, repete-se,foi o agora Presidente da República, Anibal Cavaco Silva, de cognome o cínico.

Foi na verdade o apreciador de Bolo-Rei à boca aberta que implantou, nessa época, o paradigma económico que Portugal e que ainda agora nos rege.

E hoje, com olímpico desplante, actua como se nada tivesse que ver com a situação económica do país, em que deixámos de ter uma economia produtiva e nos tornamos numa mera economia de serviços, alimentada por fundos europeus enviados como compensação da politica económica arquitetada em conluio com o diretório europeu e instigador de gastos numa overdose de infraestruturas, muitas vezes desnecessárias e que, quando país necessita, como hoje, de parar de gastar com as importações de quase tudo o que consumimos, não o consegue fazer, porque, exata e propositadamente, não produzimos o que necessitamos    

Mas curiosamente, ou talvez não, então, e até que a crise económica mundial estalou, vivia-se um proclamado amor entre os povos europeus e em que a solidariedade era coisa de realce. Afinal durou pouco.

Bastou que um vento mais forte em forma de crise mundial abanasse a estrutura económica e social da europa e, rapidamente, os povos “trabalhadores” do norte insurgiram-se contra os “preguiçosos” povos do sul, que, na realidade, lhes vinham alimentando a economia e as exportações comprando os seus produtos a troco de, para o poderem fazer, lhes aceitaram dinheiro emprestado e que foram, também, a causa do défice que eles agora invectivam.

Qual verniz que estala aos primeiros calores dos raios de sol de verão.

A solidariedade acabou e cada um que se safe.

O interesse que todos tinham em que os povos integrados do sul como, mais tarde os de leste, alargassem o mercado aberto e interno para que se pudesse escoar os produtos dos países ricos e produtores de bens industriais e agrícolas, foi esquecido e começou-se a cobrar de forma lucrativa, aliás, o pagamento da ajuda necessária.

Nem que isso provocasse, como está a provocar, um empobrecimento acelerado e destrutivo das pessoas e do país, cada vez mais enleado no pagamento apressado da dívida e dos seus juros agiotas.

E lá voltamos à questão inicial.

Será preciso, impõem-nos, empobrecer o país e as pessoas para resolver um problema de sobre-endividamento, fomentado, aliás, por aqueles que nos podem ajudar e com essa “ajuda” vão lucrando, e muito.

Mas verdade seja dita, impõem-nos pela convicção furiosa de alguns, que, malfadadamente, nos governam, nessa receita, que por isso mesmo, tem sido servida em dose forte e reforçada, na ansia de que, podendo fugir-lhes o tempo, o mal não fique pelo começo.

Mas há algum motivo para que não se encontre uma solução que não passe por empobrecer Portugal.

Claro que não, dizem muitos, esclarecidos e competentes.

Há outro caminho, até porque há sempre outros caminhos.

Há é uma fé ideológica das aves raras que nos desgovernam, em que é necessário destruir o paradigma social existente e adequado a um país da europa desenvolvida e com que eles, na verdade, não simpatizam e então, purificando-nos através do empobrecimento, quais discípulos de Pol Pot no Camboja dos anos 70, seremos mais honrados, mas também e daí o interesse estratégico, mais submissos e, obvia e consequentemente, mais baratos e manipuláveis.

E assim duma cajadada matam-se vários coelhos, ou, no caso, mata-nos o Coelho, obedecendo aos interesses da Alemanha que não quer acabar com o euro, mas também não quer suportar os custos dessa sua grande vantagem que é a existência de um mercado livre para exportar os seus produtos, empobrece-se as pessoas e consequentemente o país, tornando, através de uma alta taxa de desemprego, a mão de obra mais barata, mas também mais submissa, destruindo-se simultaneamente a estrutura básica para a existência de um estado social, que, para sobreviver, naturalmente carece de despesa, no caso útil e justificada.     

Mas ainda que a dívida que se quer combater, mas que na verdade nunca conseguiremos reduzir através de politicas contracionistas e recessivas, seja demasiado alta e até condicionadora dum desenvolvimento sustentado, a verdade é que não pode ser pretexto para punir um povo que não contribuiu diretamente para  ela.

Na verdade, sendo natural que todas as pessoas queiram melhorar a sua condição de vida, o caminho proposto e trilhado nos últimos anos, foi-o em consequência das orientações dos diversos decisores políticos nacionais – o centrão - mas também pelas orientações e politicas europeias que ratificaram os investimentos nacionais que, suportados pelo aumento da dívida dom país, permitiram o enriquecimento de alguns sem que houvesse uma necessária, justa e reclamada diminuição das desigualdades sociais e económicas das pessoas e do país.

E se é verdade que a população sufragou as politicas e os políticos que nos governaram nos últimos quase 40 anos em democracia, não foi o povo que sempre pagou impostos e nunca teve idade de reforma aos 50 anos, nem trabalhou, em regra, menos de oito e mais horas diárias, como acontecia em vários dos países europeus, que agora deverá ser punido com uma austeridade brutal e assassina que põe em causa um nível de vida razoável para um país europeu, mas que também arrasa a economia e condena ao desaparecimento, sem alternativa como já está a verificar-se, muitas pequenas e médias empresas que constituem quase 100% do tecido empresarial português, atrasando o seu desenvolvimento. Citando alguém, "é a economia estúpido".   

Evidente se torna, pelo nefastos e irreversíveis efeitos que cria às pessoas e à economia, e aliás já visíveis, mas também porque não se vislumbra motivo que possa ser directamente e em exclusivo atribuído aos desmandos dessas pessoas, o citado melhor povo do mundo, que a receita imposta e já testada noutros países com resultados tristemente conhecidos como devastadores, também para as pessoas e para economia, empobrecendo-as, e que os paus mandados nacionais aceitaram e conjuntamente subscreveram com os enviados troicanos, não tem razão de ser e devemos, por isso, quanto antes interrompê-la.

É que, havendo uma causa directa para o empobrecimento – as intensas políticas restritivas e recessivas, não há causa ou razão profunda enquanto motivo justo, compreensível e aceite pelas pessoas, para que tal aconteça.

Tanto mais que a mentirosa virtude que ela comportava – a diminuição do deficit – foi impiedosamente desmentida pela realidade, por muitos, aliás advertida.  

E por isso, mas também porque existe alternativa a esse caminho miserabilista, tal como no Direito o enriquecimento sem causa é juridicamente inadmissível, também em Portugal, nestes tempos recentes, o empobrecimento, por ser sem causa, deve ser politicamente recusado, por inadmissível.

 E se esse empobrecimento imposto é ilícito, porque imoral, não aceite como princípio e cada vez mais contestado, deverão as pessoas, o tal “melhor povo do mundo”, relembra-se, mais uma vez e como outrora na nossa história, levantar-se do chão e rejeitar, claramente, um caminho para o fundo dum buraco negro para onde nos querem empurrar, uma vez mais por imposição do exterior, mas com a cumplicidade e até o entusiasmo transbordante dos atuais Migueis de Vasconcelos ou Condes de Andeiro da nossa praça.

Para bem de todos e de cada um de nós.

Citizen Red, Lisboa, 15/10/2012