segunda-feira, 29 de setembro de 2014

A ilusão do PS



A ilusão do PS é grande mas não tem grande sentido.
Com a vitória de António Costa os militantes do PS acreditam vislumbrar uns quantos amanhãs que cantam, que não estou certo lhes seja proporcionado.
São os velhos militantes que esperam ver novamente abrisse-lhes as portas do poder e os jovens turcos ansiosos por poderem chegar-lhe mais perto.
No entanto essa ilusão de que agora o PS poderá, sozinho, destronar a direita do poder, através duma maioria absoluta, é tão ingénua como irreal.
É certo que um PS liderado por António Costa irá provocar alguma perturbação politica, mas a primeira e mais significativa e talvez mesmo única alteração, será, estou certo, na canibalização da extrema esquerda, cujo eleitorado típico irá deixar-se seduzir por um PS de capa mais de esquerda, com punhos erguidos e cravos na lapela, o que muito provavelmente conduzirá o BE a reduzir-se à sua antiga expressão rondando os 3/4%, para além de tirar margem de manobra aos emergentes partidos e movimentos dissidentes do Bloco que acabarão por ter que esperar por melhores dias para poderem ter expressão parlamentar, o que, podendo fortalecer ligeiramente o PS, não aumenta, realmente, os resultados da esquerda no seu conjunto.
Já relativamente ao sonho de poder o PS penetrar no eleitorado do PCP, não parece que este seja tão vulnerável aos apelos duma sereia socialista e a subida consistente nas últimas eleições não augura nada de bom para os lados do Rato.
Provavelmente o PCP poderá ainda é acabar por seduzir alguns desiludidos com a trajetória descendente do Bloco e, também por via disso, aumentar ainda mais, o seu resultado eleitoral.  
Mas também não é verosímil  que a direita com a subida de António Costa à liderança do PS não vá aproveitar para, nos próximos meses, embalados por algum abrandamento na austeridade, lembrar até à exaustão os malefícios da governação Sócrates, que facilmente colará a Costa.
E esse discurso acabará por deixar de pé atrás muitos dos eleitores tipicamente de centro que o PS almejaria conquistar ao PSD e que, muito provavelmente, mais facilmente se deixarão seduzir pelo novel partido do Marinho Pinto. 
Ou seja o PS ficará entalado e à direita terá pouca margem para crescer nesse eleitorado, mais do que já fez e, acossado pelo mais que provável aparecimento do populismo do novo partido anti sistema do rechonchudo Marinho Pinto, acabará por ver fugir-lhe uns quantos eleitores que contava para a sua ilusão em alcançar uma maioria absoluta.
Assim sendo, o que acontecerá será aquilo que facilmente se previa, mas que, o PS embebedado pela ansia de uma maioria absoluta e não tendo capacidade para perceber o alcance dos últimos resultados eleitorais, teima em não aceitar: a inexistência de qualquer tipo de maioria absoluta decorrente das próximas eleições legislativas.
Em consequência, o PS podendo aumentar ligeiramente a sua expressão eleitoral e até tentar ter mais votos que o PSD e CDS juntos, não conseguirá, nunca, alcançar essa ansiada maioria absoluta, que, aliás, os portugueses, vêm demonstrando não pretender atribuir a nenhum partido isoladamente.
Certo é que a direita não conseguirá atingir o poder de modo próprio e só uma ajuda do PS lhe poderia proporcionar essa ambição.
Já o PS, se quiser protagonizar uma mudança nas politicas de empobrecimento do governo de Coelho, provavelmente teria, sempre, que se apoiar no PCP ou então aliar-se ao populismo de Marinho Pinto ou a um CDS divorciado do PSD, se algum deles tiver expressão eleitoral suficiente para isso, o que não se vislumbra provável.
Parece assim que a mudança de liderança no PS, muito impulsionada pela ilusão de que uma maioria absoluta seria possível com Costa e não com Seguro, acabará por, ao invés, ser uma enorme desilusão para a tribo socialista.
O PS, com Costa, pode fazer com que os seus militantes e simpatizantes votem mais felizes, mas, seguramente, não atingirá mais votos ou a felicidade de uma maioria absoluta.
 
citizen red, 29/09/2014 
   


terça-feira, 3 de junho de 2014

A farsa da falsa mudança.

O medo da mudança é grande, particularmente nos partidos instalados confortavelmente no salão, até agora restrito, da confabulação politica.

As eleições assustaram muito os partidos do chamado centrão, cada vez mais pequeno e, por isso mesmo, fazendo soar algumas campainhas de alerta nos ouvidos tísicos do poder instalado, assim que sentiram no ar a possibilidade de algo poder estar verdadeiramente a mudar e negativamente afeta-los, rapidamente passaram à congeminação duma saída que lhes fosse inquestionavelmente favorável.
 
Com o diminuir da percentagem eleitora, real e prevista, dos partidos que sempre dominaram a governação em Portugal, para além do aumento de várias forças politicas menos submissas, a que se acrescentou a onda que varreu a europa e comprovou que desta vez talvez não haja retrocesso, surgiram de imediato propostas que têm o objetivo de alterar o equilíbrio do sistema eleitoral, puramente proporcional, e, consequentemente, transforma-lo de forma a promover artificialmente o nascimento de maiorias absolutas.

Esse é um interesse comum a quem se viu ameaçado no status quo politico partidário, PSD/CDS/PS e que, rapidamente, começou a instigar e promover tal mudança.

Logo após o fim de semana eleitora para as europeias vimos, ouvimos e não podemos ignorar, essa eminência parda da direita governativa, que do alto da sua artificial estatura politica e académica, Relvas de seu nome e "o aldrabão" de cognome, veio afirmar a necessidade de alterar o sistema eleitoral, ressuscitando propostas que levariam ao desrespeito da proporcionalidade e matando ou ferindo irremediavelmente os partidos mais pequenos, incluindo, naturalmente o seu parceiro de coligação, amarrado assim e durante muitos anos á coligação atual e que o levará também e inevitavelmente a definhar e finalmente esfumar-se do espetro politico nacional.

Mas também dias depois e não por acaso, mas aproveitando de forma oportunista a necessidade de sobreviver partidariamente, Seguro, essa insegurança politica que ainda governa o PS, tirou da sua coçada cartola esse coelho requentado e estafado sobre a necessidade de alterar o sistema eleitoral, temperado com a demagógica e populista ideia de que se deverá baixar drasticamente o número de deputados para poderem passarem a ser eticamente irrepreensíveis e, coincidentemente com o PSD ambos ameaçados de, drasticamente, verem fugir-lhes a ilusão absolutamente maioritária do poder, propôs o mesmo que o companheiro Relvas. Bonito e revelador.

Essas personagens e os seus partidos, interpretando, é verdade, os receios dos seus militantes e amigos do peito em perderem o poder e as suas obvias vantagens, pensando ainda ser reversível o estado de espirito dos eleitores e continuarem a crer que lhes é possível voltarem a ter gloriosas maiorias absolutas, colocaram na agenda mediática essa salvadora proposta, que, sorrateiramente, vão tentar aprovar, como se as suas intenções fossem desprovidas de interesse próprio e não correspondesse, como é bom de ver, à última possibilidade que têm de, estrategicamente, inverterem o seu declínio eleitoral e social.

É, evidentemente, um interesse comum a PSD e PS e uma ideia que nos próximos tempos veremos alguns dos arautos do status quo atual e fervorosos adeptos do centrão, aproveitar para teorizar e defender como única forma de regenerar um sistema que eles próprios vêm construindo e dominado sempre na defesa dos seus interesses próprios.

Outros, quais virgens envergonhadas com os seus desejos reprimidos pela necessidade de cultivarem uma áurea de compostura e desvelo democrático, calar-se-ão ou, redondamente discorrendo, deixarão correr o marfim na expetativa de colherem os benefícios da sua abstenção politicamente discreta.

Esperemos, então, que os cidadãos eleitores não se deixem enganar com falsas promessas de virtudes ilusórias, pois os mesmos que lhes oferecem essa promessa, serão aqueles que os deixarão órfãos de controlo politico plural, num futuro e monocromático Parlamento submerso nos tons escuros da sua, mais que provável, frustração.

Lisboa, 3/06/2014   

 

terça-feira, 27 de maio de 2014

A ressaca das eleições

O resultado das eleições europeias foram madrastas para alguns e principalmente para os comentaristas do costume.
 
Com a emersão da extrema direita na maioria dos países da UE que demonstrou, de forma infeliz e impensável o descontentamento dos cidadãos europeus com a atual UE e as sua politicas, a realidade é que em Portugal, no 40º aniversário do 25 de Abril, fomos felizmente brindados com uma das mais expressivas vitórias da esquerda e consequente derrota da direita caseira com uma descida tão significativa como esta passar de mais de 50% dos votos para menos de 30%, ou seja uma queda de mais de 20 pontos, com a característica importante de que a esquerda mais combativa para com a troika e as politicas recessivas e de empobrecimento da UE, contabilizar em conjunto mais de 25% dos votos o que constituiu uma subida que também ajuda a colocar, para além do mais, os partidos do chamado arco da governação (da troika) abaixo dos 2/3 dos votos o que lhes tem permitido jogar com as revisões da Constituição a seu bel prazer.
 
Mas o que as eleições também evidenciam é que com a alteração que se registou no comportamento do eleitorado europeu e também português, muito provavelmente tão cedo não irão acontecer mais maiorias absolutas e também por isso a posição de A.J. Seguro, provavelmente, não poderá ser contestada porque os resultados alcançados pelo PS seriam sempre estes e não aqueles que os seus dirigentes gostariam que fossem.
 
Podem, por isso, os comentaristas de serviço continuarem a especular sobre como dividirão o poder PS, PSD e CDS que a abstenção, mas principalmente os votos brancos e nulos e a votação em particular na CDU e em Marinho Pinto não augura um retorno ao velho rotativismo politico e que as votações em quase todos os países europeus confirmam, apesar de aí já ser natural essa dispersão partidária acontecer.
 
Mas também outra evidência que se retira destas eleições é que provavelmente não havendo uma maioria absoluta da direita unida nem mesmo do PS, estando, a pouco mais de um ano das eleições, a coligação de direita a cerca de 20 pontos e o PS a mais de 15 pontos de distância desse resultado, as alternativas terão que ser encontradas à esquerda.
 
Com o PS com uma liderança constantemente posta em causa e que nunca mostrou abertura para poder fazer pontes com a CDU e o BE, parece poder ganhar força e credibilidade uma liderança que consiga fazer pontes de aproximação entre a esquerda toda e não vejo, nesta conjuntura, outra personagem com capacidade para isso senão João Soares que em tempos ajudou a promover a coligação por Lisboa e encarna claramente a ala mais à esquerda do PS.
 
A breve prazo esta não será uma hipótese, mas antes uma necessidade para o país.
 
Talvez assim se pudesse pensar em, verdadeiramente, convergir a esquerda para uma alternativa real de governo e de novas politicas económicas e sociais.
 
Assim todos os preconceitos e desconfianças entre as forças de esquerda possam se ultrapassadas
 
Finalmente estes resultados trazem uma outra evidência. 
 
É que com os números tão baixos alcançados pela coligação de direita, esta, tão cedo, não conseguirá sobreviver em termos de candidatar-se a formar governo, senão em coligação.
 
Só que essa indispensável, nesta altura, coligação, irá a prazo acabar por devorar um dos partidos, naturalmente o mais pequeno, e, por isso, o CDS terá a breve trecho os seus dias contados enquanto partido independente do seu futuro devorador, PSD, com a agravante de, atendendo à sua já escassa expressão eleitoral, nem a habitual tendência para se virar em desespero para o PS, poderá agora, entretanto, ser usada.
 
Parece pois que a derrota da direita poderá ter sido bem mais vasta do que ele própria pretende fazer crer, sendo que, também o PS terá, por muito que isso lhe custe, mais cedo ou mais tarde que assumir, ter perdido a ilusão de poder ser poder sozinho.
 
Assim sendo o caminho para uma alteração profunda da composição do espectro politico em Portugal está em marcha e a possibilidade de uma alternativa consistente à esquerda que altere o rumo do país e que inclua todos, é possível.   
 
Lisboa, 27/05/2014